domingo, 14 de março de 2010

Esboço e proposta de análise sobre as particularidades do espaço em audiências jurídicas


Imaginemos, ou talvez possa surgir como lembrança, nosso ingresso numa sala de audiências em instâncias de um julgamento.
O cenário se configura obnubilante perante nossos sentidos, e a nossa qualidade de espectadores e participantes do jogo jurídico, primeiramente, nos solicita percorrer a paisagem que se desenha ao nosso entorno. No imediato, podemos observar uma linha tangente, descendente, traçada desde a vigília mística da aura de um Magistrado disposto no seu altivo estrado, até a submissão do inquirido cujos limites físicos da sua figura permanecem degradados num isolamento permanente. E a hegemonia se reafirma, se impõe sobre os expectantes atores com uma coleção de símbolos, pátrios, religiosos, comportamentais e expressivos, revelando hierarquias autoritárias e institucionais, a soberania, e o perfil moral e místico rodeando à hermética cegueira da justiça que resguarda o equilíbrio da configuração jurídica do Estado.
Neste tipo de espaço, a relação entre os distintos atores, o espaço e a configuração simbólica se apresenta de forma vertical e abrangente, apesar da dinâmica horizontal gerada pela exposição de verdades e argumentos nas oratórias das partes, do perfil burocrático e pragmático do meio jurídico, do maior o menor sucesso dos agentes jurídicos, e dos resultados dos pareceres judiciais. Esse verticalismo estaria dado pela tradição religiosa do Estado, que nas sociedades ocidentais esta profundamente enquistada no seu desenvolvimento especialmente nas suas dimensões política e jurídica.
Poderíamos então caracterizar esse espaço por sua carga religiosa, elementos simbólicos de distintas hierarquias dispostos segundo relevância por cima ou à esquerda ou direita do estrado do Magistrado, mobiliário e vestimentas similares às utilizadas na liturgia, léxico, modos e oratória do promotor e da defesa próprios do âmbito religioso, destacando-se o uso do latim, e a disposição de publico espectador frente aos condutores cerimoniais e aos atores do processo, promovendo um perfil sacro e litúrgico.
E seguindo com o lineamento do espaço religioso, sacro e litúrgico, a retórica ou oratória de ataque e defesa joga um papel preponderante nesse espaço, herdado do contexto religioso, onde os argumentos embasados de contextualidade e de fundamentos jurídicos apresentam e discutem planos de realidade, níveis de verdade, a interpretação das Leis e da sua aplicação, porém ponderados por um gestor da verdade e da norma que decide se o fato enquadra com normativas e perfis supra-pessoais, inerentes ao Estado e à moralidade própria deste agente. Esse gestor da verdade e da aplicação das Leis e de suas Sanções, o Magistrado, atua como um agente intermediário entre o ente intangível, o Estado e o tangível, os indivíduos, numa divisão do sagrado e o profano, dado assim também pela Lei e a Infração, sem solucionar ou arguir sobre o fato, mas só impondo um veredito limitado pela norma preestabelecida.
Nesse espaço, um conjunto de complexos se articula entre normas e ações com vista a proteger o Estado e a ordem social, porem os indivíduos alienados dos processos jurídicos vem-se desprotegidos e atacados pelo sistema, o imaginário se recria, a partir da carga simbólica do âmbito jurídico, de lugar da justiça para lugar de confissão e castigo, e onde a personalidade desaparece para ser só um enquadre normativo fora do entendimento do sentido comum. É o espaço cumprindo com sua função social dentro de um ato regulatório, mais não no sentido de inclusão e participação já que o individuo é excluído como tal (e como ser social com personalidade) nos processos, também ao desconsiderar a relevância dos contextos e da bagagem cultural, sendo destacado como objeto do fato e como destinatário das medidas pertinentes apesar de qualquer atenuante ou agravante que possa fundamentar as resoluções jurídicas.
Por estas razões e outras subjacentes, propomos elaborar uma analise critica sobre os processos e as articulações dentro do espaço construído nas audiências jurídicas, como a atuação da hegemonia instrumentada simbolicamente, a relevância da personalidade dos atores sociais e a qualidade do julgamento deferido.
Alguns questionamentos para desenvolver e tentar responder.
O espaço construído socialmente e culturalmente no ocidente para a interação jurídica, para as relações e processos jurídicos, é adequado à objetividade do julgamento e ao laicismo declarado do Estado moderno? A hegemonia mística deve ser um parâmetro pragmático para os agentes e atores envolvidos nos processos de julgamento jurídico? A construção do espaço físico e simbólico nestes ambitos jurídicos deveria ser repensada para permitir uma melhor interação entre as partes sem o fator coercivo prévio, como a presencia mística ou o autoritarismo hierárquico? A norma ou a tradição configuram este espaço? A Personalidade é relevante para o Direito nesse espaço?
Iremos estudando e desenvolvendo estes questionamentos, para tentar aproximar-nos de uma resposta gerando propostas a partir de analises subsequentes.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Ao encontro do Nomoespaço

Algumas vezes nos encontramos no meio da multidão, perdidos, tentando achar essa trilha evidente, porém velada aos nossos sentidos.
O descobrimento dos vestígios de passos esquecidos num rumo incerto sobrepõe toda ansiedade de errante, quando a dialética imediata não consegue resolver um problema simples de questionar, mas complexo de responder, a relação entre o espaço e os indivíduos, como nós atores sociais atuamos e definimos nossa dinâmica espacial dentro de um contexto limitado por regras, por Leis.
E é no Nomoespaço, uma categoria geopolítica definida por Paulo Cesar da Costa Gomes no seu livro “A condição Urbana” [1], onde encontramos uma relação particular da Sociedade com o Espaço, regida por Leis do Direito que regulam as relações entre indivíduos num território e num contexto social dado. Nessa espacialidade estão circunscritos nossos limites e a nossa esfera de atuação, e é ali onde a nossa bússola sem norte gira descontroladamente tentando indicar o posicionamento do domínio publico e o domínio privado no cotidiano.
Incerteza? Talvez, porém há muito mais para ser compreendido nos lugares do cotidiano e nos instantes de duvida e de decisão, como no Nomoespaço onde a liberdade e o direito são inerentes aos Indivíduos, ao Estado e à Sociedade, confluindo as dimensões do Publico e do Privado, e construindo um espaço político onde o ator social se desenvolve.
As Leis do Direito funcionam como coesão nestes espaços onde são projetadas e para o qual foram estabelecidas, e dão um viés para determinar um território, um lugar, um ambiente, para discussão de problemáticas, para formulação e reformulação de teses e leis, para atuação política, para o exercício da liberdade fundado na comunhão dos indivíduos no contexto social.
Novamente no meio da multidão, já não estamos tão extraviados, agora as trilhas são caminhos traçados dento de limites estabelecidos para poder circular, e as escolhas determinarão nosso destino e nossa ação, a participação o nosso desenvolvimento e o conhecimento a nossa liberdade. -
Damian G. Katche


[1] GOMES, Cesar da Costa. A Condição Urbana: Ensaios de Geopolítica da Cidade. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002.